terça-feira, setembro 03, 2013

O Banquete, de Platão

Por Paulo Roberto Tellechea Sanchotene

Se alguém é como eu e tem a tendência de ler os diálogos platônicos como se Sócrates fosse algo como um "Deus ex machina" que, ao final, explica o que se passa e revela a verdade sobre o assunto tratado, esse alguém não pode estar mais fora da realidade. Como eu disse, eu mesmo cometi esse equívoco anteriormente, e não estou disposto a repeti-lo. [Apesar de eu entender sê-lo inevitável.]

Afirmar que um diálogo platônico tem várias camadas é desmerecê-lo. Eles estão mais para uma mistura entre uma teia-de-aranha e uma mil-folhas. Lê-lo do princípio ao fim – como se deve, na primeira tentativa – é somente mais uma forma de fazê-lo. Caso se queira retirar o máximo deles, faz-se mister engajar-se como um personagem mais. Requer-se um papel ativo por parte do leitor. Sendo assim, os diálogos platônicos são textos vivos, dos quais novos significados emergem através da participação do leitor neles. Todo o enredo altera-se dependendo de como se encaram os textos. Não há uma leitura igual a outra.

O último que li foi "O Banquete". Platão estrutura esse diálogo de maneira a deixar mais explícito o que se disse acima. Logo no início, o leitor é informado de que a história será contada por alguém que a ouviu de outra pessoa que esteve presente no evento relatado. Platão, como escritor, distancia-se enormemente da história que ele escreve. Se alguém não pode nunca confiar inteiramente no Sócrates platônico, como se advoga aqui, no verdadeiro 'telefone-sem-fio' que constitui O Banquete, isso é ainda mais necessário. Ademais, por cima disso, Sócrates não faz um discurso direto. Ele relata uma conversa que teve com Diotima, uma sofista [os quais, normalmente, são os vilões nos textos platônicos]. Ela é quem faz o discurso, são as palavras dela que Sócrates utiliza. Portanto, nesse momento crucial do texto, Platão, o autor, encontra-se escondido atrás de Apolodoro (o narrador), Aristodemo (a testemunha), Sócrates e Diotima.

A dica de como lidar com tamanha bagunça é dada quando já se passam mais da metade da história, quando Sócrates alegadamente afirma que "ninguém pode contestar a verdade", mas "Sócrates é facilmente contestado". Isto é, o leitor necessita desafiar Sócrates do mesmo modo em que ele, Sócrates, faz com todo mundo. Se alguém quiser extrair verdades do diálogo, terá que obrigatoriamente sujar as mãos. Não há outro caminho senão enterrar-se nele. O momento em que isso fica claro é, igualmente, o momento em que toda a segurança do leitor se estraçalha. Tudo o que se sabe é que nada se sabe. Assim é que o método socrático inserido no texto se faz revelar, impondo-se sobre o leitor.

Pode existir diversas maneiras corretas de se ler o diálogo, mas certamente há uma errada: aquela que evita o engajamento com o texto e fica nas definições sem nenhuma preocupação com o contexto. Não há nada n'O Banquete, e isso é verdade para todos os diálogos platônicos, que alguém possa tomar por certo ou errado - embora isso seja comum; ao menos, para mim. Todas as posições navegam numa esfera diferente daquelas, entre a verdade e falsidade: a esfera da ortodoxia ou 'reta opinião' (202). Toda e qualquer posição carrega algo da verdade, e a dificuldade está em discriminá-la da inverdade que também se faz presente. Isso, em essência, é com o que o método socrático se preocupa.

N'O Banquete, uma vez que o Sócrates não se engaja, ele mesmo, num diálogo com outros interlocutores, essa tarefa compete ao leitor. Noutra postagem, eu escreverei sobre o que eu pude desenterrar do texto; especialmente aquilo relacionado à Ciência Política.