quarta-feira, novembro 19, 2008

Comentários a "A Síntese da Tolerância" de Paulo Wainberg

Paulo Wainberg é conhecido pelo seu estilo irônico e escrachado na análise de questões sérias; seus textos são tão engraçados quanto diretos e bem elaborados. O artigo "A Síntese da Tolerância" publicado em ZH, 17 de novembro de 2008, não foi diferente. É difícil refutá-lo sem parecer chato, "grosso" ou prolixo, mas como dizem que eu sempre pareço chato, "grosso" ou prolixo, isso, parece, não será um problema. Primeiro ponto, ignoremos o estilo do texto. Não vou jogar na casa do adversário, é melhor em campo neutro.

Estilo fora, sobra, apenas, a linha central do artigo. O "pano-de-fundo" é a eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, mas seu fundamento, mesmo, é o racismo na sociedade brasileira. Comecemos pelo "pano-de-fundo".

Para Wainberg, a vitória de Obama é o ápice das lutas pelos direitos civis dos negros na década de 50 e 60 nos Estados Unidos. Entratanto, no texto há uma super-simplificação de um movimento heterogêneo, cujos objetivos e métodos nunca foram unívocos. para ficar num exemplo, equiparar Malcom X a Martin Luther King equivale a igualar um déspota como Robespierre a Mahatma Ghandi. Qual deles a vitória de Obama representa: o revanchista Malcom, que entendia-se "negro", odiava os "brancos" e pregava o confronto, ou o pacifista King, que entetendia-se "humano" e sonhava com a convivência pacífica, o fim das barreiras e comparações étnicas? Para Wainberg, no entanto, isso é a mesma coisa. A "Síntese da Tolerância", de tão sintética, confunde-a com a intolerância e abstrai, inclusive, o racismo de "negros" com "brancos" na sociedade americana, como se racismo fosse uma via de mão-única, arma dos "brancos" contra os "negros", que jamais poderia ser usada de modo contrário. A eleição de Obama não representa a vitória daqueles movimentos, pois eles não tinham - e ainda não tem - uma idéia única do que seja "a vitória". O viés racial que Wainberg coloca na eleição americana é, por si, uma demonstração de que há ainda um longo caminho a se percorrer. Se a eleição de Obama é um recado dos americanos dizendo "Viram? Não somos racistas! Temos um presidente negro", o que os levou a votar foi um instinto mais forte que a inteligência: o instinto da busca pelo perdão. Não importa qual o resultado da ação, nesse caso o instinto também venceu a inteligência.

Já sua crítica a sociedade brasileira, tendo como ponto-de-referência a sociedade americana, também tem problemas a começar pelo próprio ponto-de-referência. São sociedades completamente diferentes, com histórias diferentes, compreensão de si mesmas diferentes. Para o bem e para o mal, somos distintos. Novamente, Wainberg cai no problema da super-simplificação, buscando no estrangeiro um modelo e o aplicando ao Brasil sem a menor adequação. O que é diferente cai na conta de "hipócrita" e, voilá, tudo se encaixa. A questão da miscigenação, de início política portuguesa de ocupação e depois costume arraigado na base da sociedade é sumariamente posta de lado. Tornamo-nos iguais aos americanos em que "negro" é "negro", "branco" é "branco" e não se misturam. E quando se misturam, tem que tomar lado, como é o caso do próprio Barack Obama. Nos Estados Unidos, há os ricos "negros", os "negros" de classe média, os pobres "negros", nomes "negros", programas de televisão "negros" e seus equivalente "brancos". Segundo Wainberg, exatamente como no Brasil. Será, mesmo? Nós temos severos problemas de ordem institucionais, mas nossa segregação é outra. Dizer que "não há racismo" é um exagero, mas menor do que qualificar a sociedade brasileira como racista. O porto-alegrense e o gaúcho não votaram em Collares porque o achavam "negro"; o paulistano não votou em Pitta porque o achava "negro", dois exemplos de políticos considerados "negros" que venceram importantes eleições no país. Nenhum deles e outros tantos candidatos foram eleitos como medida dessegregacionista; foram eleitos pelas suas qualidades como políticos. Nossa segregação não vê cor de pele na maior parte das vezes. Segregamos entre ricos e pobres; e temos uma classe média que sofre esprimida entre dois mundos. E esse problema, que me desculpe Paulo Wainberg, não se começa admitindo ter um problema alheio, nem resolvendo com cotas em Universidades.

O artigo pode ser encontrado em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2296404.xml&template=3898.dwt&edition=11116&section=1012