Resposta a Juremir Machado da Silva
Para devolver, a nós, gaúchos, a gentileza, Diogo citou o historiador - também sul-rio-grandense - Walter Spalding que afirmara ser o hino do Rio Grande do Sul fruto de plágio. Juremir repete a citação. Contudo, no trecho apontado na coluna e no artigo, Spalding apenas afirma a existência do plágio, porém jamais cita obra original. Ora, Diogo Mainardi polemiza apenas pelo prazer de provocar, e Juremir, auto-intitulado "reles e bom lambari dos pampas", usa seu espaço para pôr mais álcool na Chama Farroupilha. Se o Hino Rio-Grandense é efetivamente plágio de uma valsa de qualquer dos Strauss - existiram três -, que se aponte qual; caso contrário, é pura leviandade. Que o Mainardi haja assim não espante, pois esse é exatamente o objetivo, mas o Juremir?!
Juremir, ainda, aponta o fato de Mendanha ter sido, em realidade prisioneiro de Guerra - o músico mineiro fora preso pelas tropas republicanas junto com sua banda, integrante do 2º Batalhão de Infantaria do Exército Imperial -, vê nisso uma contradição e ironiza. Ora, ele simplesmente releva o fato de Mendanha, findo o conflito, ter radicado-se em Porto Alegre. Não retornou ao Rio de Janeiro, onde servira. A hipótese mais plausível é que Mendanha tenha, de fato, trocado de lado; tenha colocado a música sobre as divergências políticas. Ele era músico; não, combatente. O hino não poderia ter nascido por bajulação, por tédio ou tortura, como suspeita Juremir, mas pelo fiel cumprimento de uma missão a qual ele fora designado. E ninguém pode negar a beleza do resultado final.
Para completar a verdadeira "salada-de-frutas" que se tornou seu artigo, Juremir traz à tona o episódio mais obscuro da Revolução Farroupilha. Próximos de assinarem o armistício, com a guerra já perdida, os líderes farrapos entregam aos imperiais o Batalhão de Lanceiros Negros, tropa de elite da infantaria gaúcha. Todos os integrantes foram exterminados, sem defesa, após emboscada. Juremir faz voz às "más línguas menos patrióticas" e entende que tal ato se deu
para evitar que os lanceiros "se tornassem um bando de malfeitores depois de finda a guerra".
Os lanceiros eram homens livres, lutavam pelo fim da escravidão. Com o conflito perdido, deveriam voltar a uma condição de coisa imposta pelas leis brasileiras. Algo que, evidentemente, jamais aceitariam. O massacre fez parte das cláusulas não-escritas do Tratado de Poncho Verde. A verdade é que o conflito jamais se encerraria caso os lanceiros não fossem todos mortos.
A letra do hino gaúcho foi composto para um novo país que jamais existiu. A morte dos lanceiros não pode ser creditada aos republicanos, mas a uma exigência dos vencedores. Se ela mancha alguma História, é a nacional escravocrata, não a estadual libertária; ao contrário do que ironciamente o articulista deixa a entender. O massacre aos lanceiros negros deve servir, sim, "de modelo à toda Terra", mas como exemplo de que a liberdade é o oposto à servidão e à covardia.
Eis a íntegra da coluna do Juremir:
MENDANHA E STRAUSS, LAMBARIS TRAÍRAS
Diogo Mainardi pôs fogo na província do Rio Grande ao dizer que o maestro Mendanha plagiou uma valsa de Strauss para compor o hino farroupilha. Acertou em cheio. A afirmação consta num livro do renomado historiador gaúcho Walter Spalding: 'A pedido dos chefes farroupilhas, compôs o maestro Mendanha o hino nacional rio-grandense, o Hino da República. Não o fez, entretanto, peça original: sobre uma valsa do velho Strauss, mudando o ritmo e acrescentando parte nova para o estribilho, escreveu a música'. Viva o plágio! Melhor, a intertextualidade. O problema, na verdade, não foi ter adaptado uma valsa do 'velho' Strauss, mas ter composto o hino do seu inimigo, do qual era prisioneiro. Como se vê, o jeitinho brasileiro vem de longe.
Um amigo me remeteu uma mensagem de um historiador gaúcho atual contestando a possibilidade, com um argumento cronológico aparentemente arrasador, de que Mendanha tenha plagiado Strauss. Segundo esse historiador, tendo o hino farrapo sido tocado pela primeira vez em 1839, Johann Strauss não poderia ter sido plagiado por estar na época com 14 anos e só ter começado a compor com 16 anos de idade. O argumento parece irrefutável. O historiador permite-se dizer, num rompante, que a ignorância caracteriza os 'traíras' da América Latina. Acontece que existiram três Johann Strauss. Uma rápida consulta ao Google teria documentado o nosso historiador farroupilha: 'Johann Strauss I (1804-1849), compositor, tornou famosa a valsa. Johann Strauss II (1825-1899), compositor, filho de Johann I, conhecido como o 'Rei da Valsa'. Johann Strauss III (1866-1939), compositor, filho de Eduard Strauss'.
O texto de Spalding não deixa dúvidas: '... sobre uma valsa do velho Strauss'. Assim ficou conhecido Johann Strauss I. O mais famoso de todos, Johann Strauss II, passou à história como 'o moço'. Em 1839, Johann Strauss I, o velho, tinha 35 anos. Viveria apenas mais dez anos. Já podia ser tranqüilamente adaptado, plagiado ou roubado. Afirma, por outro lado, o atual defensor de Mendanha que o maestro foi obrigado a compor o hino. Será que foi torturado para mergulhar num surto tão criativo? O mais provável é que tenha simplesmente entrado em bom entendimento com os seus adversários, num bom convívio entre brasileiros. Salvo, hipótese bastante aceitável, que pretendesse bajular quem o mantinha prisioneiro. Talvez estivesse em síndrome de abstinência musical e fizesse qualquer coisa para poder exercitar-se um pouquinho.
Quem quiser ter uma visão equilibrada de Mendanha que leia o belo romance de Luiz Antonio de Assis Brasil 'Música perdida'. Eu, como um reles e bom lambari dos pampas, lamento apenas que Diogo Mainardi não escreva sobre a mãe de todas as batalhas, a 'Batalha de Porongos'. Como explicar ao Brasil essa epopéia em que lanceiros negros, fiéis aos seus senhores e desarmados pelo homem que os comandava, o intrépido e heróico David Canabarro, foram massacrados, de mãos livres, pelos imperiais? Segundo as más línguas menos patrióticas, o líder farroupilha acertou com Caxias o extermínio dos negros para evitar que eles se tornassem um bando de malfeitores depois de finda a guerra. Como diz a brava letra do nosso hino, composta pelo destemido Chiquinho da Vovó, que sirvam as nossas façanhas de modelo a toda terra.
juremir@correiodopovo.com.br